domingo, 2 de agosto de 2020

Escola Família Agrícola de Veredinha: reflexões em tempos de pandemia de quem vivencia a Educação do Campo

                                  Por Neltinha Oliveira dos Santos, monitora da Escola Família Agrícola de Veredinha - EFAV

Nos últimos dois meses do ano de 2019, ressoava nos quatro cantos do planeta, uma notícia que informava a respeito de um novo Coronavírus, causador da doença infecciosa chamada COVID-19 e que já estava disseminando entre os seres humanos. Não demorou muito tempo, no mês de fevereiro de 2020 já noticiava o primeiro caso no Brasil e, desde então, os números vieram aumentando exponencialmente e, dos centros urbanos, foi-se ampliando e atingindo pequenas cidades, comunidades rurais, comunidades tradicionais e comunidades indígenas.

A sua forma de contágio ocorre pelas gotículas expelidas de uma pessoa contaminada que, ao entrar em contato com as vias respiratórias de outra pessoa, já se configura o quadro de infecção. Um bombardeio de precauções começou a ser veiculado em todos os meios de comunicação, redes socias e a principal delas: fique em casa.

No Brasil, o fique em casa está criando muitas divergências econômicas e sociais, pois essa condição básica de prevenção ao Coronavírus choca-se com as desigualdades e a condição de vulnerabilidade da vida da grande maioria da população. Marcando o abismo entre os Brasis, ou seja, uma coisa é você querer e poder ficar de quarentena e outra coisa é não poder ficar de quarentena para não morrer de fome. As condições de poder ficar em casa ou não, é um retrato do Brasil, marcado, historicamente, pelas diferenças sociais e a não efetivação de políticas públicas que cumpram os direitos básicos dos cidadãos.

Numa entrevista, o rapper Emicida aponta um questionamento chave para essa atualidade, dizendo que o Coronavírus põe em risco a vida das pessoas, mas as pessoas já vivem em ambientes em que não são protegidas, como, então, o fique em casa, fará sentido na realidade das pessoas? Acima de tudo, essa pandemia só reforça o que já existia: a desigualdade social e a invisibilidade política.

A pandemia e as suas prevenções necessárias impactam também na escala das prioridades da vida das pessoas. Garantir o alimento da família é uma prioridade absoluta e, diariamente, se expor a todos os riscos para obtê-lo é muito comum. Quais as ações governamentais vêm sendo realizadas no sentido de minimizar esses riscos, principalmente, nesse momento emergencial de pandemia? O auxílio de 600 reais é fundamental, mas é suficiente para aumentar a eficiência do fique em casa?

Estamos presenciando muitas discrepâncias discursivas gerando mais tensões, principalmente, em relação ao isolamento social que vem agravando ainda mais essa situação de pandemia e isso provoca, num panorama geral, vantagens e desvantagens. Tem-se noticiado muito sobre os lucros exorbitantes de determinados setores da economia que estão crescendo por causa da pandemia e estamos vendo também um verdadeiro massacre da classe trabalhadora.

Então, podemos dizer, que essa pandemia é mais avassaladora na vida das pessoas mais pobres do país, que nunca tiveram acesso a uma renda justa e nem à saúde de qualidade. Um jogo de cartas marcadas no qual os perdedores são figuras repetidas na história do Brasil.

Nessa perspectiva, vemos que o isolamento da sociedade é necessário e se estende a toda a população. Todas as pessoas tiveram seus planos e rotinas impactados tanto na área urbana, quanto na área rural. A mensagem da necessidade de ficar em casa é muito clara, não existe um problema de interpretação, acima de tudo, é uma questão de poder, tendo em vista as prioridades básicas da vida.

 A Escola Família Agrícola de Veredinha em Tempos de Pandemia: reflexões e prática

Nesse tempo de pandemia, a educação está passando por muitas transformações e os desafios do ato de educar escolarizado tornaram-se ainda maiores. O trabalho e o ensino remoto passaram a fazer parte da vida de todos os estudantes e professores. Nesse sentido, a Escola Família Agrícola de Veredinha assim como todas as escolas vêm tentando encontrar as melhores estratégias de lidar com esse ensino remoto.

O acesso à internet tornou-se uma demanda imediata e, no Brasil, boa parte da população, principalmente, moradores das comunidades rurais, esse acesso é precário ou inexistente. Lembra-se que não é uma questão do não querer ou do não tentar atender essa necessidade que se tornou básica na vida das pessoas, é, acima de tudo, uma questão do não poder com viés econômico e social.

Visualizar essa realidade tem-se duas situações claras: quem tem internet conseguirá acompanhar os estudos e quem não tem internet não conseguirá acompanhar os estudos. Então, o papel da escola passa a ser também igualar essas condições no sentido de dar a mesma oportunidade a todos os estudantes.

A Escola Família Agrícola de Veredinha optou pela confecção de uma apostila que contém os conteúdos de todas as disciplinas compreendidos no período de quatro semanas. Por exemplo: Língua Portuguesa com os conteúdos e atividade da Semana 1, Semana 2, Semana 3 e Semana 4, da mesma forma, com as outras disciplinas.

Cada monitor e cada monitora está seguindo o seu planejamento e todos os conteúdos estão sendo contemplados nessa apostila periódica mensal. Pensando na recepção dos conteúdos, a equipe também fez uma adequação na escrita, adotando formatos mais didáticos possíveis, como: esquemas autoexplicativos, figuras, gráficos, mini vocabulários, charges etc. Tomando o cuidado de dispor na própria apostila tudo que o estudante necessita para realizar os seus estudos.

A escola fez um levantamento das condições de acesso à internet de todos os estudantes e cada monitor/a criou um grupo de WhatsApp para atender o público que consegue ter acesso. Existe um cronograma de monitoria e cada dia da semana têm monitores de plantão que auxiliam os estudantes dentro das suas respectivas disciplinas.

Após a finalização das apostilas, elas são anexadas aos grupos de monitoria e, os estudantes que não possuem conexão à internet, recebem a apostila impressa em sua casa. A EFAV criou uma logística que, acima de tudo, segue todas as recomendações de segurança e saúde, que possibilita a chegada de todos os materiais às mãos de todos os seus estudantes.

Da mesma forma, criou-se uma logística estratégica de entrega das apostilas de respostas elaboradas pelos estudantes. Assim, esses materiais serão recolhidos por um profissional da escola e depois serão direcionados aos monitores que farão as correções e darão os encaminhamentos necessários.

Todos os profissionais se colocam a disposição e desdobram para atender às diferentes demandas que vem surgindo em função do ensino remoto. Inúmeras situações são debatidas e solucionadas no coletivo. A união da equipe é fundamental, pois essa situação de pandemia é inédita e alguns problemas também são inéditos.

Ademais, o que se sobressai, para além dos esforços de toda a equipe escolar, é o desejo profundo de ter os estudantes em diálogo com os estudos, tentar manter esse vínculo de ensino e aprendizagem que não pode ser rompido por questões relativas às condições econômicas e sociais das famílias. É inegável que as recomendações de saúde precisam ser cumpridas bem como aprender a lidar com o ensino remoto, mas é necessário mais apoio do governo às escolas e um olhar mais humanizador às condições de trabalho de todos os profissionais da educação.

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