Por Neltinha Oliveira dos Santos, monitora da
Escola Família Agrícola de Veredinha - EFAV
Nos últimos dois meses do ano de 2019,
ressoava nos quatro cantos do planeta, uma notícia que informava a respeito de
um novo Coronavírus, causador da doença infecciosa chamada COVID-19 e que já
estava disseminando entre os seres humanos. Não demorou muito tempo, no mês de
fevereiro de 2020 já noticiava o primeiro caso no Brasil e, desde então, os
números vieram aumentando exponencialmente e, dos centros urbanos, foi-se
ampliando e atingindo pequenas cidades, comunidades rurais, comunidades
tradicionais e comunidades indígenas.
A sua forma de contágio ocorre pelas
gotículas expelidas de uma pessoa contaminada que, ao entrar em contato com as
vias respiratórias de outra pessoa, já se configura o quadro de infecção. Um
bombardeio de precauções começou a ser veiculado em todos os meios de
comunicação, redes socias e a principal delas: fique em casa.
No Brasil, o fique em casa está criando
muitas divergências econômicas e sociais, pois essa condição básica de
prevenção ao Coronavírus choca-se com as desigualdades e a condição de
vulnerabilidade da vida da grande maioria da população. Marcando o abismo entre
os Brasis, ou seja, uma coisa é você querer e poder ficar de quarentena e outra
coisa é não poder ficar de quarentena para não morrer de fome. As condições de
poder ficar em casa ou não, é um retrato do Brasil, marcado, historicamente,
pelas diferenças sociais e a não efetivação de políticas públicas que cumpram
os direitos básicos dos cidadãos.
Numa entrevista, o rapper Emicida
aponta um questionamento chave para essa atualidade, dizendo que o Coronavírus
põe em risco a vida das pessoas, mas as pessoas já vivem em ambientes em que
não são protegidas, como, então, o fique em casa, fará sentido na realidade das
pessoas? Acima de tudo, essa pandemia só reforça o que já existia: a
desigualdade social e a invisibilidade política.
A pandemia e as suas prevenções necessárias
impactam também na escala das prioridades da vida das pessoas. Garantir o
alimento da família é uma prioridade absoluta e, diariamente, se expor a todos
os riscos para obtê-lo é muito comum. Quais as ações governamentais vêm sendo
realizadas no sentido de minimizar esses riscos, principalmente, nesse momento
emergencial de pandemia? O auxílio de 600 reais é fundamental, mas é suficiente
para aumentar a eficiência do fique em casa?
Estamos presenciando muitas
discrepâncias discursivas gerando mais tensões, principalmente, em relação ao
isolamento social que vem agravando ainda mais essa situação de pandemia e isso
provoca, num panorama geral, vantagens e desvantagens. Tem-se noticiado muito
sobre os lucros exorbitantes de determinados setores da economia que estão
crescendo por causa da pandemia e estamos vendo também um verdadeiro massacre
da classe trabalhadora.
Então, podemos dizer, que essa pandemia
é mais avassaladora na vida das pessoas mais pobres do país, que nunca tiveram
acesso a uma renda justa e nem à saúde de qualidade. Um jogo de cartas marcadas
no qual os perdedores são figuras repetidas na história do Brasil.
Nessa perspectiva, vemos que o
isolamento da sociedade é necessário e se estende a toda a população. Todas as
pessoas tiveram seus planos e rotinas impactados tanto na área urbana, quanto
na área rural. A mensagem da necessidade de ficar em casa é muito clara, não
existe um problema de interpretação, acima de tudo, é uma questão de poder,
tendo em vista as prioridades básicas da vida.
Nesse tempo de pandemia, a
educação está passando por muitas transformações e os desafios do ato de educar
escolarizado tornaram-se ainda maiores. O trabalho e o ensino remoto passaram a
fazer parte da vida de todos os estudantes e professores. Nesse sentido, a
Escola Família Agrícola de Veredinha assim como todas as escolas vêm tentando
encontrar as melhores estratégias de lidar com esse ensino remoto.
O acesso à internet tornou-se uma
demanda imediata e, no Brasil, boa parte da população, principalmente,
moradores das comunidades rurais, esse acesso é precário ou inexistente.
Lembra-se que não é uma questão do não querer ou do não tentar atender essa
necessidade que se tornou básica na vida das pessoas, é, acima de tudo, uma
questão do não poder com viés econômico e social.
Visualizar essa realidade tem-se duas
situações claras: quem tem internet conseguirá acompanhar os estudos e quem não
tem internet não conseguirá acompanhar os estudos. Então, o papel da escola
passa a ser também igualar essas condições no sentido de dar a mesma
oportunidade a todos os estudantes.
A Escola Família Agrícola de Veredinha
optou pela confecção de uma apostila que contém os conteúdos de todas as
disciplinas compreendidos no período de quatro semanas. Por exemplo: Língua
Portuguesa com os conteúdos e atividade da Semana 1, Semana 2, Semana 3 e
Semana 4, da mesma forma, com as outras disciplinas.
Cada monitor e cada monitora está
seguindo o seu planejamento e todos os conteúdos estão sendo contemplados nessa
apostila periódica mensal. Pensando na recepção dos conteúdos, a equipe também
fez uma adequação na escrita, adotando formatos mais didáticos possíveis, como:
esquemas autoexplicativos, figuras, gráficos, mini vocabulários, charges etc.
Tomando o cuidado de dispor na própria apostila tudo que o estudante necessita
para realizar os seus estudos.
A escola fez um levantamento das
condições de acesso à internet de todos os estudantes e cada monitor/a criou um
grupo de WhatsApp para atender o público que consegue ter acesso. Existe um
cronograma de monitoria e cada dia da semana têm monitores de plantão que
auxiliam os estudantes dentro das suas respectivas disciplinas.
Após a finalização das apostilas, elas
são anexadas aos grupos de monitoria e, os estudantes que não possuem conexão à
internet, recebem a apostila impressa em sua casa. A EFAV criou uma logística
que, acima de tudo, segue todas as recomendações de segurança e saúde, que
possibilita a chegada de todos os materiais às mãos de todos os seus
estudantes.
Da mesma forma, criou-se uma logística
estratégica de entrega das apostilas de respostas elaboradas pelos estudantes.
Assim, esses materiais serão recolhidos por um profissional da escola e depois
serão direcionados aos monitores que farão as correções e darão os
encaminhamentos necessários.
Todos os profissionais se colocam a
disposição e desdobram para atender às diferentes demandas que vem surgindo em
função do ensino remoto. Inúmeras situações são debatidas e solucionadas no
coletivo. A união da equipe é fundamental, pois essa situação de pandemia é
inédita e alguns problemas também são inéditos.
Ademais, o que se sobressai, para além dos esforços de toda a equipe escolar, é o desejo profundo de ter os estudantes em diálogo com os estudos, tentar manter esse vínculo de ensino e aprendizagem que não pode ser rompido por questões relativas às condições econômicas e sociais das famílias. É inegável que as recomendações de saúde precisam ser cumpridas bem como aprender a lidar com o ensino remoto, mas é necessário mais apoio do governo às escolas e um olhar mais humanizador às condições de trabalho de todos os profissionais da educação.