Vamos
conversar um pouco sobre a nossa Língua Portuguesa Brasileira? Já parou para
pensar na diversidade de falares que a nossa língua possui? Já parou para
pensar que quando falamos não utilizamos, de fato, todas as regras e recursos
que compõem a chamada língua padrão? Analisando esses aspectos, a Escola
Família Agrícola de Veredinha promoveu alguns debates e reflexões sobre mudança
e variação linguística nas aulas de Língua Portuguesa, nas turmas do 1º Ano do
Ensino Médio. Os conteúdos propostos que favoreceram as discussões foram a
História da Língua Portuguesa e a Fonética e a Fonologia.
No
processo de estudar a história da nossa língua, perceberam-se as drásticas
mudanças ocorridas em diversas palavras ao longo do tempo. Um dos exemplos
estudados foi a palavra “você”, a qual passou por um contínuo processo de
transformações. No início era “vossa mercê”, depois “vossemecê”, “vosmecê”,
“vancê” .
Contudo, o mais interessante nessa história toda foi o aprendizado de que não
há nenhum problema no fato de a língua mudar – e, entre outros, quem nos
recorda disso é o linguista Sírio Possenti. Segundo ele, “[...] não há língua que permaneça
uniforme. Todas as línguas mudam”.
Já
no estudo da fonética e da fonologia, ressaltando que os estudantes são
oriundos de diferentes comunidades, foi possível perceber a diversidade
linguística presente no próprio espaço da sala de aula. Acima de tudo, eles
atentaram para o fato de que nas diferenças linguísticas estão marcadas,
também, diferenças identitárias e históricas. E isso corroborou com considerações já realizadas de Calvet sobre
as relações entre variações e mudanças na língua e questões sociais.
Ressalta-se, nesse sentido, o entendimento do autor de que “[...] as línguas não existem sem as pessoas
que as falam, e a história de um língua é a história de seus falantes”.
Ao
investigarem algumas mudanças ocorridas na fala e que refletem no processo da
escrita, os estudantes foram percebendo a sonoridade das letras e, na
composição das sílabas, notaram que determinados fonemas são poucos
perceptíveis ou mesmo ausentes na fala cotidiana. Alguns exemplos destacados
foram as ditas semivogais, em alguns contextos linguísticos, e também alguns
dígrafos. O contraste percebido em palavras como ameixa (‘amexa’)/ e agulha
(‘aguia’)/trouxe a reflexão de que, algumas vezes, uma grafia incorreta
explica-se pela baixa frequência, ou mesmo ausência, na fala cotidiana, de
alguns sons que costumamos atribuir a certas letras. Escrever ‘aguia’, nesse
sentido, seria tentar transpor em letras todos os sons que, muitas vezes, são,
de fato, ouvidos cotidianamente pelo estudante na pronúncia da palavra ‘agulha’.
O
momento de estudo proporcionou uma aproximação carinhosa com os falares dos
avós e dos bisavós e a percepção de diferentes formas de apropriação da língua.
apropria-se da língua tanto somente pela audição, nas mais diversas práticas
diárias com a linguagem, quanto se apropria também pelo processo da escrita, que possui regras
específicas. Isso, entre outras possibilidades. Levou-se, também, à discussão
do preconceito linguístico sofrido pelas populações camponesas.
Os
estudantes pesquisaram algumas palavras nas comunidades e fizeram uma troca de
experiências em sala de aula, no sentido de explicitar os sentidos atribuídos a
variados termos em cada comunidade. Constam abaixo algumas dessas palavras:
Comunidade
|
Termo ou expressão
|
Sentido
|
Comunidade Alagadiço
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Deixar de “asnidade”
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Deixar de ser besta
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Bentinho
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“Fingir de égua”
|
Fingir de bobo
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Ribeirão Veredinha
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“Pricipiço”
|
Problema. Ex: ‘vai arrumar pricipiço’ -
vai arrumar problema.
|
Cáquente
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“Manaíba”
|
Pessoa boba demais
|
Cáquente
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“Micha”
|
Pessoa metida
|
Veredinha
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“Binguelando”
|
Balançando
|
Veredinha
|
Passar na “pinguela”
|
Passar na ponte
|
Fanado Amanda
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“Chibiu”
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Chuchu
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Cuba
|
“Mandô falá”
|
Retornar uma
ligação
|
Veredinha |
“Tá dumm!”
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Referência a
algo que está em excesso. Exemplo: ‘o calor tá dumm’ - o calor está
excessivo.
|
Tatu
|
“inverem”
|
Duvidoso. Ex:
‘isso tá inverem’ - isso está duvidoso.
|
Dentro
disso, pôde-se perceber no processo que o ensino da Língua Portuguesa é algo
amplo e que não deve se restringir às regras gramaticais. As relações
identitárias passam pelo uso da língua e compreendê-la dentro dessa amplitude é
fundamental. A boa escrita de um texto, antes de tudo, revela o entendimento do
mundo e da realidade.
Escrito por Neltinha Oliveira dos Santos