terça-feira, 29 de junho de 2021

A ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE VEREDINHA EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES DA NOSSA PRÁTICA PEDAGÓGICA REMOTA EMERGENCIAL

 EFAV

ACODEFAV


Desde março de 2020, início do agravamento da pandemia Covid-19, o Brasil vem vivenciando medidas necessárias de saúde pública que visam garantir a segurança da população perante ao contágio alarmante do Coronavírus. Como é de conhecimento geral, todos os setores da sociedade foram afetados, afetando também a vida de todas as pessoas.

Um desses setores é a educação. A exigência de distanciamento social interrompeu aulas presenciais e, num rápido movimento político educacional, foi estabelecido o Ensino Remoto Emergencial como alternativa para a continuidade das atividades escolares em todo o país. E assim, toda a comunidade escolar começou a lidar com essa condição de ensino que, até então, era inédita para todos nós.

Nesse viés, é interessante apresentarmos uma definição do que é Ensino Remoto Emergencial. Para Behar (2020 apud STEVANIM, 2020), pelo caráter excepcional do contexto de pandemia, esse novo formato escolar é chamado de Ensino Remo­to Emergencial (ERE):

(...) uma modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento geográfico de professores e alunos e foi adotada de forma temporária nos dife­rentes níveis de ensino por instituições educacionais do mundo inteiro”. O ensino é considerado remoto porque os professores e alunos estão impedidos por decreto de frequentarem instituições educa­cionais para evitar a disseminação do vírus. É emergencial porque do dia para noite o planejamento pedagógico para o ano letivo de 2020 teve que ser engavetado (BEHAR (2020 apud STEVANIM, 2020).

Ressaltamos essa condição temporária e emergencial do Ensino Remoto mediado por tecnologias digitais, no sentido de entendermos criticamente que essa forma de ensinar é altamente conturbadora, prejudicial e problemática para a educação e, não garante a educação como um direito, nem os princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, como preconizam a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil.

Sabemos que a desigualdade social é uma marca da sociedade brasileira e, dentro disso, o direito à educação nunca foi igualitário, fator que implica diretamente nas realidades desiguais das condições da vida dos brasileiros e das brasileiras. Problemas sociais advindos da ausência de políticas públicas que afeta a vida dos estudantes antes mesmo de estarem na escola. No atual momento de pandemia, percebemos uma precarização ainda maior da educação e uma análise política governamental muito superficial tendo em vista a complexidade do Ensino Remoto Emergencial.

O Conselho Nacional de Educação, por meio do Parecer Nº 5/2020, afirmou que as atividades pedagógicas não presenciais serão computadas para fins de cum­primento da carga horária mínima anual. As atividades podem ser desenvolvi­das por meios digitais (vídeo-aulas, conteúdos orga­nizados em plataformas virtuais de ensino e aprendi­zagem, redes sociais, correio eletrônico, blogs, entre outros); por meio de programas de televisão ou rádio; pela adoção de material didático impresso com orien­tações pedagógicas distribuído aos alunos e/ou seus pais ou responsáveis; e pela orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e exercícios indicados nos materiais didáticos. (CNE/CP Nº: 5/2020).

Contudo, sabemos das inúmeras implicações reais que essas práticas metodológicas via tecnologias digitais têm causado. O acesso à educação remota emergencial demanda conexão de internet. Dentro disso, é válido pensar: qual é a situação real desse acesso à internet e de recursos tecnológicos, principalmente, nas comunidades do campo? Como desenvolver alternativas de orientação, acompanhamento e avaliação remotos das atividades escolares? Qual a condição social, econômica e de escolaridade das famílias para a estrutura exigida dentro do Ensino Remoto? Os educadores e as educadoras têm condições de desenvolver adequadamente o processo didático-pedagógico pelas tecnologias digitais utilizadas? Dentre outras implicações, inclusive, o espaço doméstico é equipado para que o/a jovem estude em casa e em condições físicas confortáveis?

O que dizer e o que fazer mediante a este novo cenário que aumentou exponencialmente os problemas já carregados pela educação no Brasil? O entendimento coletivo é de que a educação não pode parar. É evidente, neste caso, a exigência de uma reformulação pedagógica e metodológica para que a educação não pare. Será isso verdade? Como estamos repensando nossas práticas dentro do Ensino Remoto levando em consideração os princípios da Educação do Campo e os Sujeitos do Campo e da Cidade?

A Escola Família Agrícola de Veredinha – EFAV vem se debruçando num intenso movimento de reflexão pedagógica e metodológica, pois o Ensino Remoto Emergencial transformou radicalmente a Pedagogia da Alternância e interrompeu a prática de alguns instrumentos pedagógicos que promovem a mediação dos caminhos alternados entre meio-escola-meio. Até o momento, estamos trabalhando com a elaboração do material didático próprio, em formato de apostila mensal, respeitando o planejamento de cada educador/a e a contextualização com a realidade camponesa; adotamos um planejamento de suporte remoto ao ensino aprendizagem: criação de grupos pelo WhatsApp, áudios semanais de orientação e explicação referentes a cada disciplina; plantão online semanal conforme cronograma que inclui todas as disciplinas; gravação de pequenos vídeos de exploração de conteúdos; manutenção da tutoria em formato online que possibilita apoio individualizado, não só pedagógico, mas apoio emocional e motivacional; diversificação do quadro avaliativo com a proposição da atividade interdisciplinar que relaciona temas do Plano de Estudo, e também questões sociais mais amplas; reformulação da organização textual para o suporte de circulação do texto escolar que é o celular.

Criamos, na Escola Família Agrícola de Veredinha, um espaço virtual de diálogo com os estudantes a respeito do Ensino Remoto e das formas adotadas pela EFAV. Percebemos uma avaliação positiva em relação às estratégias adotadas pela EFAV até o momento, além de apontarem novas sugestões que adequam às nossas condições estruturais.

É nítido que os estudantes possuem questionamentos mais amplos. Eles estão preocupados com o seu processo de ensino aprendizagem que se vê fragilizado, preocupados com os rumos da educação, preocupados com o ENEM e com o acesso à universidade. Preocupados também com os impactos e os ecos dessas disparidades educacionais nas oportunidades futuras.

Ao mesmo tempo, muitos estudantes relatam a relação com o trabalho que passou a ocupar mais o seu tempo, relatam massivamente as dificuldades de acesso à internet de qualidade para acessar satisfatoriamente as ferramentas digitais criadas pela escola. Resumidamente, figura-se a importância da presença, do contato, do encontro para o ato de educar (Freire, 2004) e, em contraposição, o Ensino Remoto rompe essa necessidade básica.

Nesse sentido, podemos refletir o que esse recorte da projeção da tela do celular torna invisível, o que esse limite das telas não revela. É uma partícula que, praticamente, tornam os sujeitos invisíveis mediante à complexidade que é o Ensino Remoto. Quantas pautas vieram à tona com tamanha força, por exemplo, a democratização do acesso à internet no Brasil, a urgência de repensar a educação brasileira no campo e na cidade, a responsabilidade do governo brasileiro com a educação de qualidade e dentre outras.

A realidade da grande maioria dos estudantes da EFAV, bem como a estrutura da nossa escola e a formação dos educadores e educadoras revelam que a adoção de aulas ao vivo e/ou aulas gravadas são inviáveis. São alternativas que não dialogam com a nossa realidade escolar e, portanto, são marcadamente excludentes. Enquanto instituição de ensino e, especialmente, nessa crise de saúde pública mundial, temos que refletir criticamente sobre essas diferenças para, inclusive, escolher as formas mais inclusivas de ensinar. Acima de tudo, estamos defendendo que a nossa prática pedagógica remota não exclua nenhum dos nossos estudantes de manter o vínculo com a educação do campo.

Temos uma preocupação enorme com os impactos sociais, econômicos e educacionais que essa pandemia está provocando na vida da nossa comunidade escolar. Nesse sentido, estamos nos esforçando na proposição de alternativas mais dialógicas dentro do Ensino Remoto, entendendo que esta é uma situação emergencial e temporária de ensino. Estamos nos reinventado para garantir que cada estudante possa acessar o nosso apoio pedagógico remoto supracitado e, ao mesmo tempo, sentimos os esforços e a compreensão dos estudantes e das estudantes, das famílias da nossa comunidade escolar, que também estão buscando alternativas dentro da própria organização familiar.

Nesse contexto de incertezas e dificuldades, nos colocamos em luta e nos alimentamos em Paulo Freire e da sua Pedagogia da Esperança (2006) para, coletivamente, mantermos vivos os sonhos da nossa juventude camponesa.

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo (FREIRE, 2006).

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Maria Fernanda dos Santos. Princípios Pedagógicos da Educação do Campo: caminho para o fortalecimento da escola do campo. Ci. & Tróp. Recife, v. 39, n. 2, p. 41-72, 2015. Disponível em: < https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/1567>. Acesso em: 15 jun. 2021.

CUNHA, Leonardo Ferreira Farias da; SILVA, Alcineia de Souza; SILVA, Aurênio Pereira da. O ensino remoto no Brasil em tempos de pandemia: diálogos acerca da qualidade e do direito e acesso à educação. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal, Brasília, v. 7, n. 3, p. 27-37, ago. 2020. Disponível em: http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/924. Acesso em: 15 jun. 2021.

STEVANIM, Luiz Felipe. Exclusão nada remota: desigualdades sociais e digitais dificultam a garantia do direito à educação na pandemia. RADIS: Comunicação e Saúde, n. 215, p. 10-15, ago. 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

______. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP Nº: 5/2020. Reorganização do Calendário Escolar e da possibili­dade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2020c. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=145011-pcp005-20&category_slug=marco­-2020-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 15 jun. 2021.

 ______. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2010.

 ______. Presidência da República. Lei N.º 9.394 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educa­ção nacional. Brasília: Casa Civil, 1996.

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