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Desde
março de 2020, início do agravamento da pandemia Covid-19, o Brasil vem
vivenciando medidas necessárias de saúde pública que visam garantir a segurança
da população perante ao contágio alarmante do Coronavírus. Como é de
conhecimento geral, todos os setores da sociedade foram afetados, afetando
também a vida de todas as pessoas.
Um
desses setores é a educação. A exigência de distanciamento social interrompeu
aulas presenciais e, num rápido movimento político educacional, foi
estabelecido o Ensino Remoto Emergencial como alternativa para a continuidade
das atividades escolares em todo o país. E assim, toda a comunidade escolar
começou a lidar com essa condição de ensino que, até então, era inédita para
todos nós.
Nesse
viés, é interessante apresentarmos uma definição do que é Ensino Remoto
Emergencial. Para Behar (2020 apud STEVANIM, 2020), pelo caráter
excepcional do contexto de pandemia, esse novo formato escolar é chamado de
Ensino Remoto Emergencial (ERE):
(...)
uma modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento geográfico de
professores e alunos e foi adotada de forma temporária nos diferentes níveis
de ensino por instituições educacionais do mundo inteiro”. O ensino é
considerado remoto porque os professores e alunos estão impedidos por decreto
de frequentarem instituições educacionais para evitar a disseminação do vírus.
É emergencial porque do dia para noite o planejamento pedagógico para o ano
letivo de 2020 teve que ser engavetado (BEHAR (2020 apud STEVANIM, 2020).
Ressaltamos
essa condição temporária e emergencial do Ensino Remoto mediado por tecnologias
digitais, no sentido de entendermos criticamente que essa forma de ensinar é
altamente conturbadora, prejudicial e problemática para a educação e, não
garante a educação como um direito, nem os princípios da igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola, como preconizam a Constituição Federal e
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil.
Sabemos
que a desigualdade social é uma marca da sociedade brasileira e, dentro disso,
o direito à educação nunca foi igualitário, fator que implica diretamente nas realidades
desiguais das condições da vida dos brasileiros e das brasileiras. Problemas
sociais advindos da ausência de políticas públicas que afeta a vida dos
estudantes antes mesmo de estarem na escola. No atual momento de pandemia,
percebemos uma precarização ainda maior da educação e uma análise política governamental
muito superficial tendo em vista a complexidade do Ensino Remoto Emergencial.
O
Conselho Nacional de Educação, por meio do Parecer Nº 5/2020, afirmou que as
atividades pedagógicas não presenciais serão computadas para fins de cumprimento
da carga horária mínima anual. As atividades podem ser desenvolvidas por meios
digitais (vídeo-aulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino
e aprendizagem, redes sociais, correio eletrônico, blogs, entre outros); por
meio de programas de televisão ou rádio; pela adoção de material didático
impresso com orientações pedagógicas distribuído aos alunos e/ou seus pais ou
responsáveis; e pela orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e
exercícios indicados nos materiais didáticos. (CNE/CP Nº: 5/2020).
Contudo,
sabemos das inúmeras implicações reais que essas práticas metodológicas via
tecnologias digitais têm causado. O acesso à educação remota emergencial
demanda conexão de internet. Dentro disso, é válido pensar: qual é a situação real
desse acesso à internet e de recursos tecnológicos, principalmente, nas
comunidades do campo? Como desenvolver alternativas de orientação,
acompanhamento e avaliação remotos das atividades escolares? Qual a condição
social, econômica e de escolaridade das famílias para a estrutura exigida dentro
do Ensino Remoto? Os educadores e as educadoras têm condições de desenvolver
adequadamente o processo didático-pedagógico pelas tecnologias digitais
utilizadas? Dentre outras implicações, inclusive, o espaço doméstico é equipado
para que o/a jovem estude em casa e em condições físicas confortáveis?
O
que dizer e o que fazer mediante a este novo cenário que aumentou
exponencialmente os problemas já carregados pela educação no Brasil? O
entendimento coletivo é de que a educação não pode parar. É evidente, neste
caso, a exigência de uma reformulação pedagógica e metodológica para que a
educação não pare. Será isso verdade? Como estamos repensando nossas práticas
dentro do Ensino Remoto levando em consideração os princípios da Educação do
Campo e os Sujeitos do Campo e da Cidade?
A Escola Família Agrícola de Veredinha –
EFAV vem se debruçando num intenso movimento de reflexão pedagógica e
metodológica, pois
o Ensino Remoto Emergencial transformou radicalmente a Pedagogia da Alternância
e interrompeu a prática de alguns instrumentos pedagógicos que promovem a
mediação dos caminhos alternados entre meio-escola-meio. Até o momento, estamos
trabalhando com a elaboração do material didático próprio, em formato de
apostila mensal, respeitando o planejamento de cada educador/a e a
contextualização com a realidade camponesa; adotamos um planejamento de suporte
remoto ao ensino aprendizagem: criação de grupos pelo WhatsApp, áudios semanais
de orientação e explicação referentes a cada disciplina; plantão online semanal
conforme cronograma que inclui todas as disciplinas; gravação de pequenos
vídeos de exploração de conteúdos; manutenção da tutoria em formato online que
possibilita apoio individualizado, não só pedagógico, mas apoio emocional e
motivacional; diversificação do quadro avaliativo com a proposição da atividade
interdisciplinar que relaciona temas do Plano de Estudo, e também questões
sociais mais amplas; reformulação da organização textual para o suporte de
circulação do texto escolar que é o celular.
Criamos, na Escola Família Agrícola
de Veredinha, um espaço virtual de diálogo com os estudantes a respeito do
Ensino Remoto e das formas adotadas pela EFAV. Percebemos uma avaliação
positiva em relação às estratégias adotadas pela EFAV até o momento, além de
apontarem novas sugestões que adequam às nossas condições estruturais.
É nítido que os estudantes possuem
questionamentos mais amplos. Eles estão preocupados com o seu processo de
ensino aprendizagem que se vê fragilizado, preocupados com os rumos da
educação, preocupados com o ENEM e com o acesso à universidade. Preocupados
também com os impactos e os ecos dessas disparidades educacionais nas
oportunidades futuras.
Ao mesmo tempo, muitos estudantes
relatam a relação com o trabalho que passou a ocupar mais o seu tempo, relatam
massivamente as dificuldades de acesso à internet de qualidade para acessar
satisfatoriamente as ferramentas digitais criadas pela escola. Resumidamente,
figura-se a importância da presença, do contato, do encontro para o ato de
educar (Freire, 2004) e, em contraposição, o Ensino Remoto rompe essa
necessidade básica.
Nesse sentido, podemos refletir o que
esse recorte da projeção da tela do celular torna invisível, o que esse limite
das telas não revela. É uma partícula que, praticamente, tornam os sujeitos
invisíveis mediante à complexidade que é o Ensino Remoto. Quantas pautas vieram
à tona com tamanha força, por exemplo, a democratização do acesso à internet no
Brasil, a urgência de repensar a educação brasileira no campo e na cidade, a
responsabilidade do governo brasileiro com a educação de qualidade e dentre
outras.
A realidade da grande maioria dos
estudantes da EFAV, bem como a estrutura da nossa escola e a formação dos
educadores e educadoras revelam que a adoção de aulas ao vivo e/ou aulas
gravadas são inviáveis. São alternativas que não dialogam com a nossa realidade
escolar e, portanto, são marcadamente excludentes. Enquanto instituição de
ensino e, especialmente, nessa crise de saúde pública mundial, temos que
refletir criticamente sobre essas diferenças para, inclusive, escolher as
formas mais inclusivas de ensinar. Acima de tudo, estamos defendendo que a
nossa prática pedagógica remota não exclua nenhum dos nossos estudantes de
manter o vínculo com a educação do campo.
Temos
uma preocupação enorme com os impactos sociais, econômicos e educacionais que
essa pandemia está provocando na vida da nossa comunidade escolar. Nesse
sentido, estamos nos esforçando na proposição de alternativas mais dialógicas dentro
do Ensino Remoto, entendendo que esta é uma situação emergencial e temporária
de ensino. Estamos nos reinventado para garantir que cada estudante possa
acessar o nosso apoio pedagógico remoto supracitado e, ao mesmo tempo, sentimos
os esforços e a compreensão dos estudantes e das estudantes, das famílias da
nossa comunidade escolar, que também estão buscando alternativas dentro da própria
organização familiar.
Nesse
contexto de incertezas e dificuldades, nos colocamos em luta e nos alimentamos
em Paulo Freire e da sua Pedagogia da Esperança (2006) para, coletivamente,
mantermos vivos os sonhos da nossa juventude camponesa.
É
preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente
que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é
esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás,
esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante,
esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo (FREIRE, 2006).
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Maria Fernanda dos Santos. Princípios Pedagógicos da
Educação do Campo: caminho para o fortalecimento da escola do campo. Ci. &
Tróp. Recife, v. 39, n. 2, p. 41-72, 2015. Disponível em: < https://periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/view/1567>.
Acesso em: 15 jun. 2021.
CUNHA,
Leonardo Ferreira Farias da; SILVA, Alcineia de Souza; SILVA, Aurênio Pereira
da. O ensino remoto no Brasil em tempos de pandemia: diálogos acerca da qualidade
e do direito e acesso à educação. Revista Com Censo: Estudos
Educacionais do Distrito Federal, Brasília, v. 7, n. 3, p. 27-37, ago. 2020.
Disponível em:
http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/924. Acesso
em: 15 jun. 2021.
STEVANIM, Luiz Felipe. Exclusão nada remota: desigualdades
sociais e digitais dificultam a garantia do direito à educação na pandemia.
RADIS: Comunicação e Saúde, n. 215, p. 10-15, ago. 2020.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo:
Paz e Terra, 2006.
______.
Ministério da Educação. Parecer CNE/CP Nº: 5/2020. Reorganização do Calendário
Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins
de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19.
Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2020c. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=145011-pcp005-20&category_slug=marco-2020-pdf&Itemid=30192.
Acesso em: 15 jun. 2021.
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